A definição de poder por Foucault é muito diferente das anteriormente dadas por filósofos políticos; muito mais que um objeto que se concentra nas mãos de um homem ou de uma instituição,é práticas e mecanismos que atuam tanto num nível macro quanto no micro, que são instituições não necessariamente ligadas ao Estado. Será, portanto, feito uma pequena análise e exemplificação dos poderes atuantes contemporaneamente, com a exemplificação de algumas formas em que as relações de poder se dão.
Comparando os dias atuais com o século XVII, se pode perceber que o objetivo geral das instituições que sobrevivem ainda se mantém o mesmo, assim como as novas que foram fundadas se alinharam a este. O que mudou foi a estrutura delas, com uma “modernização” do poder disciplinar para gerar cidadão ainda dóceis, úteis, produtores e consumidores, mas com uma política que valoriza a vida, ou seja, com o surgimento do poder biopolítico em complementação ao primeiro.
O poder disciplinar tem em sua base o adestramento dos homens, a maximização de sua utilidade, e busca conter o indivíduo dentro do capitalismo, apesar das misérias geradas por este. Ele permite uma eficácia do exercício do poder através do saber constituído a partir da vigilância exercida na hora e lugar onde esse poder disciplinar ocorre. O poder aqui não deve ser visto como algo repressor, mas sim de uma maneira positivista, como algo que visa um rendimento maior dos homens. Esse poder pode ser exemplificado através do panóptico de Jeremy Bentham; uma vigilância sendo exercida permanentemente sobre o indivíduo, que se mantém dócil, e portanto se torna a chave para o controle.
O poder biopolítico, que vem em complementação ao poder disciplinar, muda o foco das coisas: agora, a principal estratégia de domínio se torna a manutenção e potencialização da vida. Se antes a vigilância não era vista, porém sentida fisicamente através de símbolos, agora ela se torna quase que invisível, e o sentimento de ser observado se espalha através de câmeras, monitoramentos, e até mesmo de uma arquitetura que privilegia espaços abertos, com muitos vidros e com cada vez menor número de divisórias, possibilitando uma visão maior do ambiente e das atividades realizadas. O saber gerado por essa vigilância, portanto, vai perdendo sua necessidade de ser restrito a um espaço e tempo determinados, e se torna mais acurado através da precisão dos registros efetuados por essa vigilância.
Paulatinamente, essa vigilância vai se transferindo do Estado para outras instituições, até chegar às mãos da própria povo, que começa a supervisionar a si mesmo. Um exemplo disso é a recente implementação de um sistema de denúncia próprio para o metrô de São Paulo, onde os passageiros podem enviar mensagens de texto para determinado número com informações sobre o meliante e a ocorrência em si. As pessoas incorporam as regras, e passam elas mesmas a serem parceiras em sua dominação.
Voltando à característica principal do poder biopolítico, a de manutenção da vida, nas palavras do próprio Foucault, este se arma de “uma tecnologia que agrupa os efeitos de massa próprios de uma população, que procura controlar (eventualmente modificar) a probabilidade desses eventos, em todo caso compensar seus efeitos.” Mais uma vez, em oposição ao poder disciplinar, vemos a mudança de centro do indivíduo como corpo e força para a população, ou seja, uma massa individualizada, que é de perto regulamentada quanto aos processos biológicos, e esse controle fica a encargo do Estado, que se torna, portanto, bio-regulamentador.
Porém, após certa análise de atitudes tomadas por esse Estado, chega-se ao paradoxo do poder biopolítico: como pode em uma sociedade que defende a vida pode haver o exercício do poder de fazer morrer? A lógica para a justificativa desse comportamento vem da guerra, do “se você quer viver, é preciso que você faça morrer”. A preservação da vida de alguns as vezes implica na suspensão da vida de outros, justificando um racismo fundado não somente em preceitos de etnia, mas sim de inferioridade em várias esferas que ameaçariam biologicamente os “eleitos”. Portanto, a definição de guerra aumenta seu escopo para algo também necessário à manutenção da vida, e a expressão desse pensamento pode ser vista em diversos casos, desde os conflitos nos Bálcãs até a guerra contra o terror empreendida pelos EUA na última década, e tendo como sua expressão mais clara e caricata o nazismo no século XX. É muito claro que a lógica biopolítica se encaixa perfeitamente ao capitalismo até mesmo nesse sentido, sendo os burgueses beneficiados com essa preservação da vida em supressão do direito de outros economicamente menos favorecidos.
Muito mais que uma questão moral, o poder se coloca na obra de Foucault como algo livre de concentração e de forma, como algo mutável e multifacetado, do qual somos agentes passivos e ativos de seu exercício, e que portanto não permite a luta do seu exterior, mas sim uma resistência a partir de movimentos de contestação localizados.