terça-feira, 24 de maio de 2011

Siga o Mestre

Em o "Discurso da Servidão Voluntária", o autor faz um apelo feroz à liberdade, mantendo-se contra a servidão, tirania ou qualquer forma de poder/governo que sufoque a liberdade de seu povo, levando-os ao sofrimento e a realizar as vontades impostas pelo seu soberano. Boétie examina as causas que levam um grupo de indivíduos a aceitar a submissão a um único governante, que se deixam dominar e encantar pelo nome de uma só pessoa, que sendo apenas uma, não deveria causar tal efeito.

Semelhante a Rousseau, Boétie diz que o homem não apenas goza da vida em comunidade em paz, como também goza de plena liberdade. A desigualdade é natural (física) e não cria desigualdade política. Boétie ainda afirma que os indivíduos que nasceram com mais força ou mais habilidade devem proteger os mais fracos, ao que Hobbes diz totalmente o contrário. Enquanto Rousseau acredita nas idéias de compaixão e perfectibilidade do homem, que implica na preservação da espécie, manutenção do coletivo unido, Hobbes apresenta o estado de natureza humano conflituoso, onde o homem já nasce em disputa e não sente prazer na companhia de outros homens. A busca pela honra e a glória leva à guerra de todos contra todos, onde a melhor defesa é o ataque.

Rousseau ressalta em seu "Discurso Sobre a Desigualdade" que todo animal tem idéias, posto que tem sentidos; chega mesmo a combinar suas idéias até certo ponto, e o homem, a esse respeito, só se diferencia da besta pela intensidade. Quando lhes é tirado (dos humanos) o maior dos bens, a liberdade, no entanto, não há necessariamente uma luta incessante pela retomada do que é seu por direito, nem a morte: simplesmente há o arrependimento por tê-la perdido. Boétie explica isso através da conclusão de que o homem não deseja a liberdade, pois acredita que basta desejá-la para possuí-la.

"Nossa natureza é de tal modo feita que os deveres comuns da amizade levam uma boa parte do curso de nossa vida; é razoável amar a virtude, estimar os belos feitos, reconhecer o bem de onde o recebemos, e muitas vezes diminuir nosso bem-estar para aumentar a honra e a vantagem daquele que se ama e que merece. Em conseqüência, se os habitantes de um país encontraram algum grande personagem que lhes tenha dado provas de grande previdência para protegê-los, grande audácia para defendê-los, grande cuidado para governá-los, se doravante cativam-se em obedecê-lo e se fiam tanto nisso a ponto de lhe dar algumas vantagens, não sei se seria sábio tirá-lo de onde fazia o bem para coloca-lo num lugar onde poderá malfazer; mas certamente não poderia deixar de haver bondade em não temer o mal de quem só se recebeu o bem."

No trecho acima, o autor diz que muitas vezes os povos deixam sua liberdade na mão do soberano a fim de que a ordem se mantenha, ato que tanto Rousseau, Hobbes e Locke chamariam de Contrato Social, coisa que Boétie acha completamente absurdo, já que todos os animais lutam por liberdade e necessitam dela para a sua sobrevivência. O que caracteriza o homem como homem é a liberdade, e a servidão é o estado mais bestial em que poderíamos nos encontrar. Portanto, a única explicação possível para o autor é a de que os próprios povos se deixam dominar, pois não desejam ser livres, e sim dominados. Como o autor diz, a liberdade é um bem tão grande que, uma vez perdida, todos os males vem a seguir, e os bens que restam perdem o seu sabor em frente à servidão.

"Portanto são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se fazem dominar, pois cessando de servir estariam quites; é o povo que se sujeita, que se degola, que, tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita o jugo; que consente seu mal - melhor dizendo, persegue-o. Eu não o exortaria se recobrar a liberdade lhe custasse alguma coisa; como o homem pode ter algo mais caro que restabelecer-se em seu direito natural e, por assim dizer, de bicho voltar a ser homem? Mas ainda não desejo nele tamanha audácia, permito-lhe que prefira não sei que segurança de viver miseravelmente a uma duvidosa esperança de viver a sua vontade. Que! Se para Ter liberdade basta desejá-la, se basta um simples querer, haverá nação no mundo que ainda a estime cara demais, podendo ganhá-la com uma única aspiração e que lastime sua vontade para recobrar o bem que deveria resgatar com seu sangue - o qual, uma vez perdido, toda a gente honrada deve estimar a vida desprezível e a morte salutar?"

Qual o motivo de haver tamanha desigualdade entre o soberano e seu povo, de maneira que há o abuso e descaso pelos que o colocaram no poder? E por que multidões se curvam a um governante, abdicando de sua liberdade?

"De onde tirou tantos olhos com os quais vos espia, se não os colocais a serviço dele? Como tem tantas mãos para golpear-vos, se não as toma de vós? Os pés com que espezinha vossas cidades, de onde lhe vêm senão dos vossos? Como ele tem algum poder sobre vós, senão por vós? Como ousaria atacar-vos se não fôsseis receptadores do ladrão que vos pilha, cúmplices do assassino que vos mata, e traidores de vós mesmos?"

Para Boétie, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito. Através dos costumes e da educação, o que antes foi feito pela obrigação, agora é feito sem esforço e de boa vontade. Os homens são o que a educação faz de cada um, e essa obediência e hábito enraizados na população legitimam o governo do tirano. Vê-se, então, a importância da educação. Para Rousseau, a educação é vista como uma ferramenta para desenvolver o espírito crítico de contestação à desigualdade moral e jurídica, instaurada pela propriedade privada.

Rousseau discute em sua obra a origem da desigualdade na história do homem, e conclui que não é possível, em estado de natureza, que o homem sinta mais necessidade que outro homem, já que se vive de maneira coletiva e há o conhecimento da palavra, atendendo assim as necessidades mútuas e facilitando a sociabilidade entre os povos. Não existe o ser miserável ("aquele que sofre de privação dolorosa e sofrimento do corpo ou da alma") neste período, pois como seria possível a sua existência em um ambiente onde o Ser é livre e seu coração está em paz e seu corpo é saudável? O pacto de Rousseau é a cessão voluntária de direitos para que se chegue à igualdade, onde o soberano é o povo e a vontade geral é o que é melhor para o coletivo. O ato da propriedade e as suas consequentes guerras levaram a submissão a um governante, o que deu início à desigualdade e ao surgimento dos miseráveis.

Hobbes diverge no ponto em que a igualdade entre os homens restabeleceria o estado de natureza, ou seja, a guerra contínua de todos contra todos. O fim desse estado de terror se dá através do contrato social, em que homens abrem mão da liberdade irrestrita que possuíam no estado de natureza. O soberano deve garantir a vida da sociedade, e a obediência dos súditos tem como finalidade a proteção.

Assim, anseia-se por ser livre apenas os que tiveram contato com a liberdade; o que cresce em um ambiente em que ela é presente está tão acostumado que não consegue viver sem ela. É o que acontece com os povos que vivem sob a tirania e servidão, como diz Boétie. Há o costume e a ingenuidade dos homens quanto a sua "natureza". A falta do conhecimento de outras formas de vida faz com que a dominação se torne muito fácil, e é o maior desejo do tirano que seu povo permaneça em suas rédeas. Logo, uma massa uniforme que não conhece nada além da tirania não tem referências para odiá-la ou clamar por liberdade, já que nunca a tiveram. Eis um trecho de Boétie:

"O grão-turco percebeu bem isto; que os livros e a doutrina dão aos homens, mais que qualquer outra coisa, o sentido e o entendimento para se reconhecerem e odiar a tirania; averiguo que em suas terras ele não tem sábios, nem os quer. Ora, comumente, ficam sem efeito o bom zelo e afeição dos que apesar do tempo conservaram a devoção à franquia, por mais numerosos que sejam, porque não se conhecem; sob o tirano, é-lhes tirada toda a liberdade de fazer, de falar, e quase de pensar: todos se tornam singulares em suas fantasias."

2 comentários:

  1. O texto está muito bom por abordardes as principais ideias propostas por Etienne de La Boétie que ,em sua totalidade, giram em torno da servidão voluntária dos cidadãos prestada a um soberano que muitas vezes se torna tirano devido a quantidade de poder que lhe é atribuído pelo povo. Citais também os motivos dessa voluntariedade na servidão que o povo se sujeita e é exatamente nesse ponto que vosso texto me fez refletir, quando tocais no assunto de que o povo obedece a um tirano por hábito, e é nessa hora que entra em cena a função da educação na formação do cidadão. Essa questão é tão importante que é tratada em obras como a de Rousseau que vê a mesma como ferramente para aumentar o poder crítico e formar o cidadão enquanto La Boétie, similar a Durkheim, ouso dizer, vê a educação como ferramente DO GOVERNO para a manutenção de sua austeridade,ou seja, há uma mudança de visão quanto o papel da educação na formação da sociedade. Suas ideias sao ainda mais creditáveis devido ao fato de ser um estudante de direito em pleno renascimento europeu, ou seja, também baseia seus fatos no empirismo. Pra terminar, vós abordardes a conclusão de La Boettie em que para que o povo retome sua liberdade, basta abrir mão dessa servidão, ou seja, o povo nao precisa tirar o poder do tirano, mas simplesmente não prestá-lo mais. Enfim, ótimo texto!

    Nathalia Reale Knoll - NA1

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  2. NATHALIA REALE KNOLL - RA00077317

    Só pra esclarecer, a aluna Nathalia Reale Knoll é a autora do comentario, mas não tem conta para postar aqui, então, eu Rafael Ranzoni, ser humano bondoso, postei pra ela.

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