quarta-feira, 8 de junho de 2011

Marx ontem, Marx hoje

Hodiernamente, em relação aos tempos de Marx, a classe trabalhadora se tornou bem mais heterogênea, complexa e fragmentada. Não obstante, o Capitalismo não mais precisa integrar o maior número de pessoas possível em si, “no mercado”, para se sustentar e lucrar; a exclusão é uma das marcas do Capitalismo que temos nos dias de hoje, quando este modo de produção já abrange o mundo inteiro, mesmo que com algumas limitações em alguns países. Para uma análise sobre o que o Capitalismo se tornou hoje em dia e sobre como se dá a exploração do homem pelo próprio homem, por conseguinte, seria conveniente começar a discorrer sobre a seguinte questão: que decorre dessa mudança no Capitalismo e na classe trabalhadora ocorrida dos tempos de Marx até nossos dias?


O Capitalismo não precisa estar integrando todas as pessoas em seu seio produtivo ou no consumo, aqueles que se encontram fora dele, desempregados, por exemplo, não demonstram uma crise do capitalismo; pelo contrário, são parte essencial dele. Para Marx, ao trabalhador a única coisa que ainda resta é a mão de obra para ser vendida (e por conseguinte para comprar o que o trabalhador e sua família necessitam para sobreviver – o próprio autor ironiza esse fato comparando-o com a escravidão, dando a entender que o escravo, que se vende, se encontra em melhor situação que o trabalhador, pois, por ser propriedade, seu dono não o deixará morrer de fome ou por outro motivo, seria prejuízo; mas, caso o trabalhador morra, como há desempregados de sobra, outro pode vir e substituir o lugar daquele sem que haja prejuízo ao patrão). O desemprego é então necessário, pois atende a uma demanda do mercado, que é a precarização do trabalho (que varia em intensidade de lugar para lugar): se há desemprego e uma situação de vida deplorável em Bangladesh, por exemplo, quando uma transnacional vai para o país em busca de mão de obra barata para a montagem de seus produtos, ela consegue contratar pessoas, explorá-las de maneira extrema e manter salários baixíssimos pelo tempo que for conveniente à empresa, à transnacional, até que esta mude de país ou região. Isso maximiza os lucros, a extração do mais-valor (mais-valia). A exploração deste caso se explica pelo fato de que, para sobreviver, ou mesmo para sobreviver em condições um pouco menos deploráveis, o trabalhador em questão trabalha independentemente da exploração de sua mão de obra. Esse trabalhador, assim, não pode contestar o que ganha ou simplesmente suas condições de trabalho, por correr o risco de ser demitido e pelo fato de que muito dificilmente isso mudaria alguma coisa e, numa análise sobre a Alienação em Marx, porque o trabalhador não consegue se identificar com o produto de seu trabalho, não sabe o valor do próprio trabalho, bem como a sociedade não sabe o valor do trabalho contido nas mercadorias; a sociedade e o trabalhador são alienados (e na época de Marx já o eram) – este seria outro motivo, menos empírico em relação à questão dada, da sujeição do trabalhador a condições deploráveis de trabalho.


Ainda sobre subempregos e exploração extrema da mão de obra, num exemplo que acontece hoje em dia, pode-se mencionar casos em que mulheres são contratadas bem jovens, caso não tenham filhos nem casa para sustentar (a fim de que seus salários sejam os mais baixos possíveis) e demasiadamente exploradas por alguns anos, de modo que, ainda novas, são demitidas quando já foram totalmente “gastas” (algo de certa forma semelhante à Lei dos Sexagenários à época do Império Brasileiro ou às cartas de alforria concedidas por muitos senhores de escravos quando estes não lhes eram mais úteis, foram completamente esgotados, desgastados, sendo que, libertos e inválidos, basicamente tinham que contar com a sorte para ter uma sobrevida por algum tempo). Se essas mulheres engravidarem (exames são feitos rotineiramente para verificar se engravidaram ou não), são demitidas. É algo similar, de certa forma, ao que empresas (principalmente nos EUA) já têm feito nos últimos tempos, ao evitar contratar ou ao demitir funcionários pelo fato de serem dependentes químicos, de álcool, tabaco ou substâncias ilícitas, por terem doenças genéticas a serem manifestadas, obesidade, et cetera, a fim de evitar custos futuros com planos de saúde ou com faltas do trabalhador por problemas de saúde. E isso em um nível bem melhor de salários e condições de trabalho; ou seja, reduzir custos para aumentar a extração de mais-valor e assim aumentar o lucro é uma constante no Capitalismo, com o trabalho precarizado ou não; esse ponto já foi há muito constatado por Marx e outros autores.

Há também, gravitando sobre a máxima do lucro, questões como “empregos de brincadeira”, nos quais só se trabalha por um tempo para “ganhar experiência” (como acontece em muitas empresas de fast food, por exemplo), externalidades (cortar todos os custos que não sejam necessários diretamente à empresa) e a questão de corporações pagarem multas por terem optado por transgredir a lei em prol da lucratividade, mesmo sabendo de perigos em seus produtos, por exemplo.

No documentário The Corporation, o último dos três exemplos anteriores é claramente mencionado: empresas pagam multas que saem mais baratas que consertar seus produtos, mesmo que os defeitos neles causem mortes, ferimentos gravíssimos ou problemas aos consumidores (no filme, há o exemplo de um carro que foi para o mercado mesmo defeituoso e que acabou causando mortes e ferimentos a consumidores, sendo que isso poderia ter sido evitado antes de colocá-lo em circulação).

Nesse documentário há uma interessante comparação entre corporações e psicopatas, visto que, na lei de muitos países (como os EUA), as corporações são vistas como cidadãos e várias atitudes das corporações se assemelham a atitudes de psicopatas. E tais atos são possíveis de serem feitos pelas corporações pois elas “não podem ser presas” por não serem cidadãos de carne e osso e seus membros se isentam de responsabilidade pelos crimes da corporação como um todo; é uma questão de optar por pagar multa ou não, a depender do que custará menos à corporação.

Essas corporações são privadas, não são do governo, mas este permite que elas existam; são propriedade privada, mesmo que dividida entre duas ou mais pessoas. Mais do que permitir, os governos, numa análise tendo Marx como matriz, querem que as corporações existam, pois os Estados (burgueses) têm a função de proteger e legitimar a propriedade privada. Apesar de tantas atrocidades que podem ser cometidas por corporações, o Estado serve para que elas existam. Assim, Marx pensava no Comunismo como uma Sociedade sem propriedade privada e, por conseguinte, sem Estado (que existe apenas para legitimar a última). E numa Sociedade tal, não haveria exploração do homem pelo próprio homem (ao menos depois de uma fase de transição, de uma Ditadura do Proletariado, na qual gradativamente o Estado deixaria de existir) nos termos de expropriação dos meios de produção do trabalhador e da exploração deste, alienação da produção do trabalhador, extração de mais-valor a partir dele, embora Marx não tivesse teorizado precisamente sobre o Comunismo em si, pois seria algo a ser criado conforme a História se desenvolvesse (e nem teria como ele ditar como seria o Comunismo, afinal, ele era demasiadamente materialista para tanto, para teorizar tudo sobre algo que não existia e cujas condições de criação ainda não estavam determinadas).

Para que “o proletariado implantasse sua ditadura”, poderia haver uma revolução, com armas (mas uma revolução social; a primeira da história, para o autor, visto que as outras foram políticas), uma crise de questão matemática, no qual o baixo número de funcionários e empregados em detrimento da crescente produção levaria o Capitalismo à ruína ou uma conscientização de classe, na qual todos os operários em algum momento parassem de trabalhar ou tomassem alguma atitude organizada para fazer esse modo de produção ruir. Mas, como a Escola de Frankfurt constatou posteriormente, nas primeiras décadas do século XX, nenhuma dessas três alternativas por Marx apontadas continua possível para a derrota do Capitalismo.

Saindo da esfera teórica do Comunismo para Marx, um dos efeitos hodiernos da exploração dos trabalhadores aliado ao desemprego, constatado em estudos que são feitos desde o século passado, é o aumento de doenças mentais decorrentes da pressão do trabalho, de não poder ser demitido, de não poder reivindicar, fazer greve (salvo exceções), com risco de serem demitidos e ficarem numa situação pior do que já estão sendo explorados. Esses temores são úteis às empresas, pois os funcionários ficam dóceis e eficientes.

É evidente que a exploração do homem pelo próprio homem existe no Capitalismo, é amoral e é par excellence necessária ao modo de produção capitalista, tanto nos tempos de Marx como hoje. Assim sendo, a contribuição de Marx é evidente ainda em nossos dias para entender os fundamentos, características do mundo em que vivemos, do ponto de vista econômico e social; é importante evitar “economicismos marxistas”, ver tudo do ponto de vista econômico (e ainda mais do ponto de vista econômico de Marx exclusivamente), mas é inegável que a visão do clássico autor é de extrema importância para que se entenda o período pelo qual passamos, dos pontos de vista econômico, social, histórico, ad infinitum (até porque enumerar tais pontos é tirar a interdisciplinaridade do autor que busca ver a realidade como um todo, é trair o próprio pensador de peso que foi Karl Marx).

Um comentário:

  1. Muito interessante o texto de vocês!
    Acho válido comentar que essa expropriação do trabalho vem desde a expropriação dos meios de produção do trabalhador e de seus modos de vida. Desde a acumulação primitiva.
    Na sociedade capitalista o trabalho é alienado pois a força de trabalho é alienada.
    A partir do momento que o trabalhador deixa de se reconhecer naquilo que ele produziu, sua consciência se aliena e na atroz sociedade de aparências na qual vivemos - onde valoriza-se muito mais a mercadoria do que a si - o homem que se identifica por meio de itens, se vê perdido no fetichismo da mercadoria e não vê saída senão a entregar-se à exploração de sua produtividade por outros homens a fim de conseguir mais e mais itens, construindo esse ciclo vicioso do consumismo no qual vivemos.


    Maíra Macário de Brito RA00101642

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